domingo, 22 de novembro de 2009

GABRIELA

De Jundiaí a São Paulo, ela – na tagarelice dos seus quatro anos - não deu um pio. Ficou olhando pela janela o tempo todo.

Eu a observava e parecia me olhar no espelho: quando viajo - seja perto, seja longe - escolho uma janela e tenho à mão um livro ou um MP4 para fugir de conversas desinteressantes. Pensei em Chico Xavier, que ao visitar os detentos, jamais falava sobre religião
: "não poderia aproveitar-se do fato deles estarem atrás das grades para dar sermão". O raciocínio pra quem viaja ( e encontra-se preso temporariamente num ônibus, metrô ou avião) é o mesmo: ninguém deveria se aproveitar disso. (E falar alto, naquele tom que o ambiente inteiro escuta, deveria ser crime previsto no Código Penal) Sábio Chico.

Mas voltando à garotinha de quatro anos: essa parecia um adulto, olhando a janela e pensando na vida. Acredito que se encantava com as árvores, os carros e a estrada que parecia não ter fim.

Lá pela tantas, ela me disse: “Está demorando, mamãe”.

Quando chegamos, ela largou minha mão e se atirou nos braços do pai.

E eu pensei que quando um casal que não teve filhos se separa, diz “Ainda bem que não tivemos filhos”.E quando um casal que teve filhos se separa diz “Ainda bem que tivemos filhos”.

De fato: sempre que um relacionamento chegava ao fim (e a gente sempre acha que é pra sempre), eu pensava “Ainda bem que evitamos filhos. Não era o cara, não era a hora” Não estou pregando que ninguém saia tendo filhos por aí. Mas me pergunto... Existe "o cara" ? Existe "a hora" ?

Não sei se foi com a pessoa certa, muito menos na hora certa; o que sei é que ter uma filha foi a melhor coisa que me aconteceu.

Gabriela veio (eu pensei que viria “cravo e canela” como a mãe, mas veio “branquela” como o pai) e foi como se eu tivesse encaixado a última peça do quebra cabeça, como se Deus me desse uma caixa de lápis de cor de presente e dissesse “Deixa o seu mundo mais colorido”. Foi o que fiz. E o melhor é que se não fica perfeito, não tem importância.

É verdade que não posso mais pegar minha mochila, ir pro Pantanal e ligar avisando quatro dias depois. Fazer um programa simples com os amigos já exige um certo malabarismo e às vezes é difícil até ler um livro ou assistir à um filme sem ser interrompida Isso sem falar no dia a dia, no vestir, no alimentar, nas contas a pagar.

Mas também é verdade que não dá pra esquecer aquela expressão que ela fazia (um misto de delicadeza e determinação) quando mamava no meu peito. E como eu chorei a primeira vez que ela disse “mamãe”. E aquele dia que ela acordou com o toque do celular, dançou na cama (de olhos fechados) e voltou a dormir. E quando o pai dela pegou na minha barriga e disse “chuta pro papai, chuta” e ela chutou na mesma hora. E quando ela perguntou: "mamãe, por que você está chorando ? Você quer alguma coisa que não pode ter?", parecendo a minha terapeuta. E quando disse, em tom confessional, que estava apaixonada.

Só eu sei o quanto minha filha me faz mais humana, menos suicida e mais tolerante: não dá mais pra sair chutando paus de barraca, pisando duro, batendo portas. Ao contrário, é preciso parar, respirar fundo, engolir sapos, contemporizar. Não é assim que se vive em sociedade ?

Fiquei mais alerta. E estar alerta tem a ver com felicidade, que por sua vez, tem a ver com simplicidade. Se você parar e simplesmente prestar atenção, vai ver que o mundo é um lugar muito, muito interessante.

E naqueles dias em que dá tudo errado, chego em casa e agarro aquele corpinho macio que ainda cheira leite, e aquela voz de criança tagarelando sobre as descobertas do dia cura todas as minhas dores.

Ela se vai com o pai, os dois de mãos dadas se misturando na multidão.

Penso que tenho dois dias só pra mim, pra bater perna, badalar, ficar só, tomar um banho de banheira com uma taça de vinho tinto. E sem culpa.

Só dois dias, e depois começa tudo de novo. Ainda bem.

1 comentário:

  1. Nossa Carlinha, como fiquei emocionada! Lindo texto! Super beijo!

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