quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O OLHAR

O ano era 2003. O mês, agosto. Participei de uma promoção cultural num shopping de SP. Era preciso responder: “Por que seu pai é especial?” O prêmio: mil reais em compras.

Eu escrevi: “Meu pai é especial porque diz com um simples olhar o quanto me ama”.

Não sei se a frase era boa; sei que era a mais pura verdade. E que ganhei a promoção.

Ironicamente, aquele foi o último dia dos pais que passamos juntos.

Sobre o meu pai, já escrevi: “Tenho saudades de sua paz de espírito, de suas histórias e de seus cabelos brancos, que fiz questão de acariciar até que o caixão se fechasse diante dos meus olhos”. Mas de tudo, o que me faz mais falta é o olhar. O olhar que ele depositava sobre mim.

Ele me amava, e eu sabia. E ele sabia que eu sabia. Não era preciso falar, o olhar dizia tudo. E também diziam as histórias que ele contava (sobre sua infância, sobre nossa infância); e os chocolates, que para nós eram como jóias, e os programas que fazíamos em família. Era doce o nosso mundo.

Se eu demorasse para abrir uma embalagem - sou péssima nisso – ele abria pra mim, se divertindo com a minha falta de jeito; se ele tivesse que esperar eu me maquiar para ir na padaria, dizia no carro bem humorado “mas parece até que você vai numa festa” e quando eu lhe disse, aos prantos, que não sabia o que fazer com aquele diploma de Direito, ouvi “Conhecimento nunca é perdido” .

Casada ou não, com filhos ou não, advogada atuante ou não: eu seria amada. E amava aquele homem que me apresentou a poesia do cotidiano sem se dar conta. Ele me ensinou, sem dizer uma só palavra, que mais valia alimentar aquela criança tagarela que se deliciava com as descobertas do mundo, que as mil borboletas que se debatiam em mim.

Meu pai sabia que de tudo, o que vale é o nosso mundo - aquele que criamos, re-significamos, e que no fim das contas é o único que existe: é só o que temos, é só o que levamos.

Talvez não fosse preciso dizer “Eu te amo”. Mas eu disse.

Quando fui vê-lo no hospital (com a certeza absoluta de que ele voltaria pra casa no dia seguinte) eu disse, num grande sorriso “Você é o melhor pai do mundo. Eu te amo muito”.

Ele não voltou.

Por um tempo foi como se tudo me tivesse sido tirado, e pensei que viveria para sempre num mundo cinza, com borboletas a me atormentarem o espírito. Mas um dia o olhar do meu pai reapareceu: era forte, vivo, eterno. Cheio de poesia. Compreendi: a dor faz parte, mas o amor é maior. Desde então escrevo. E olho para minha filha da mesma maneira.

8 comentários:

  1. Amor é algo precioso e raro. digo o verdadeiro amor, aquele que não espera e nem pede nada em troca.expressar isso com um olhar ou com as lindas palavras desse texto, torna esse amor ainda mais precioso. um verdadeiro presente da vida!
    Flavia

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  2. Carlucha, que beleza, que saudades...
    bjs

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  3. Flavia e Paulinho: Esse texto é especialmente para vocês e para minha mãe. Nem sei como agradecê-los. Vocês são incríveis !

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  4. Carlinha....que lindo! Vc sempre "jeitosa" com as palavras. Pode deixar que vou mostrar a meu pai. bjos e saudadessss!!

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  5. Bjs para vc e meu tio querido, que também te olhar assim, eu sei !!!

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  6. Que maravilha! Choro muito facilmente, de emoção, não de tristeza. Choro em situações de superação.
    Chorei um monte lendo este texto,
    Beijos mil,
    CássioManga

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  7. Que delícia, Cassio. Só agora vi seu comentário.

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  8. Que lindo Carla!
    Me emocionei muito com esse texto, me fez lembrar muito o meu pai também!

    Bjos!

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